A COLÔNIA FINLANDESA EM PENEDO, NAS FOTOGRAFIAS DE MARTTI AALTONEN

por Cristiane Paracat



Timo Aaltonen, ao lado do filho André, recorda o registro da chegada, ainda criança, em Penedo. A foto foi feita pelo pai Martti Aaltonen. (Foto: Manoela Te Netto)


              Foi em um sábado movimentado no Clube Finlândia, em Penedo, que conheci o finlandês Timo Aaltonen, 80 anos, engenheiro que por mais de 30 anos foi alto executivo da multinacional Ericsson. Nossa conversa foi em frente a uma fotografia preto e branca exposta na entrada do clube, de autoria de Martti Aaltonen, pai de Timo. Logo turistas se aglomeraram para ouvi-lo contar a história daquele retrato. A riqueza de detalhes se explica porque Timo era o garoto da foto. 


              Timo tinha seis anos quando veio para o Brasil com os pais.  A família fugia das dificuldades do pós-Segunda Guerra na Europa. Sobre a fotografia, Timo conta que o registro foi feito durante um típico Natal finlandês, logo na chegada da família em Penedo, em 1947. O menino aparece ao lado da irmã, junto com os pais e o casal Bertell, anfitrião da ceia, e que viria a adotá-lo por alguns meses enquanto a família se estabelecia no Rio de Janeiro. As lembranças daquele Natal, há mais de setenta anos, ainda são fortes na memória do homem, hoje já de cabelos brancos. Ele também sabia detalhes técnicos da fotografia. “A única iluminação vinha das velas que decoravam a mesa e a árvore de Natal.”


              A admiração pelo trabalho do pai fez com que Timo se dedicasse a preservar o acervo, que é um dos mais completos sobre a Colônia Finlandesa de Penedo. Em 2019, eventos dos 100 anos da Independência da Finlândia e dos 90 anos da vinda dos finlandeses para o Brasil foram motivo de rever a obra e digitalizar mais de 130 fotografias de Martti Aaltonen. E ainda há muitos negativos a serem catalogados.


 Foto: Martti Aaltonen


O fotógrafo finlandês Martti Aaltonen em Penedo na década de 50.


MARTTI AALTONEN NASCEU NUMA SAUNA


              Martti Engelbrekt Aaltonen nasceu no dia 10 de março de 1907, dentro de uma sauna, lugar mais quente da aldeia de Hausjarvi, na Finlândia, para realização do parto. De família humilde, começou a trabalhar bem jovem, na marinha mercante.  Foi viajando pela Europa que começou a fotografar. O hobby virou profissão. Estudou Design Industrial, e graduou-se em fotografia artística.


              Durante a Segunda Guerra, serviu ao exército finlandês como oficial-fotógrafo do front, e foi premiado por esse trabalho.

 Foto: Martti Aaltonen

Nesta importante missão flagrou momentos como os soldados em uma sauna improvisada no front de guerra. (foto).


              Ao vir para o Brasil com a esposa, Aili, e os filhos Timo e Leena Kaisa, montou estúdio fotográfico no Rio de Janeiro, mas foi outra paixão que tornou-se o principal negócio de Martti. O finlandês abriu uma empresa de instalação de saunas e a tecnologia que ele desenvolveu ganhou reconhecimento inclusive na Finlândia.


              Foi ao longo de uma década de viagens a Penedo, entre os anos de 47 e 57, que Martti Aaltonen produziu grande acervo fotográfico dos costumes, da rotina, do trabalho e da cultura dos seus conterrâneos. O finlandês veio morar definitivamente na região, no início da década de setenta, mas, segundo o filho Timo, nesta época o pai já havia deixado a máquina fotográfica de lado: “com a chegada da fotografia colorida, no final da década de cinquenta, Martti se desinteressou deste ofício por ser daltônico”.


              Já morando em Penedo, além do trabalho na instalação de saunas finlandesas, Martti deixou outro legado para a família: a confecção artesanal de velas e de marcenaria. O fotógrafo finlandês faleceu em 1976.


LEGADO FINLANDÊS

Foto: Aime Accorsi

André Aaltonen herdou oficina e talento do avô finlandês.

              O neto de Martti, André Aaltonen, 51 anos, trabalha atualmente na mesma oficina onde o avô se instalou quando chegou em Penedo. O local fica na rua das Velas, que ganhou esse nome justamente pela fama do trabalho de Martti. André, que é arquiteto e artista, conviveu com o avô só até os seis anos, mas herdou o talento dele. “Daquela época, guardo a vivência na oficina e as brincadeiras. De lá para cá o legado das artes laborais continua sendo passado por meu pai e já vai adiante para meus filhos, sobrinhos e minha neta”, conta, com orgulho, André. “Hoje, estudando suas fotos, a história da imigração da família e os objetos projetados e construídos por Martti reconheço na minha obra a estética da economia de gestos e as realizações dentro dos recursos disponíveis.”


              No fim da nossa conversa, pergunto sobre a importância de Penedo na vida da família e como eles enxergam a influência finlandesa, hoje, na localidade. Timo diz que Penedo é como se fosse sua terra natal, apesar de não ter nascido aqui. “Em Penedo desbravei matos, morros e rios. Aqui aprendi a tomar sauna e nadar. É meu paraíso.”


              Timo e André Aaltonen são muito atuantes na comunidade finlandesa, como foi Martti. Pai e filho estão confiantes de que essa história não se apagará, não só porque está registrada nas fotografias. “A imigração finlandesa terminou em meados do século 20 e a miscigenação cultural funcionou muito bem na Colônia. Minha família é exemplo disso.  Assim, é natural que haja uma diluição da presença finlandesa na Colônia. Por outro lado, Penedo tem uma história única, não só entre as Colônias finlandesas pelo mundo como na história da imigração no Brasil. Nasce como utopia tropical naturalista na década de 20 e sobrevive até hoje como polo turístico regional e mesmo nacional. Esta história ainda está viva nas instituições como o Museu Eva Hilden e o Clube Finlândia. E continua a se transformar na arte, artesanato, culinária e hospedagem daqui,” finaliza André Aaltonen.








Esta reportagem e muito mais está na Revista Viver Agulhas Negras, 3ª edição. 

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A COLÔNIA FINLANDESA EM PENEDO, NAS FOTOGRAFIAS DE MARTTI AALTONEN A COLÔNIA FINLANDESA EM PENEDO, NAS FOTOGRAFIAS DE MARTTI AALTONEN Reviewed by Editora on outubro 26, 2022 Rating: 5

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